ALIMENTAÇÃO VEGETARIANA NA INFÂNCIA: É POSSÍVEL?
Fabiana Jarussi
Nutricionista – CRN 11217
Frequentemente recebo no consultório pais com a mesma dúvida: será que o bebê ou a criança podem seguir uma dieta vegetariana? Será que é possível que crianças vegetarianas tenham desenvolvimento físico e congnitivo sem prejuízos?
Essas e outras dúvidas são compreensivas. A restrição de proteína animal causa insegurança nos pais e responsáveis. Além disso, muitas informações não são baseadas em evidências científicas, mas no preconceito ou na desinformação.
É notório por todos que a preocupação com alimentação saudável, prevenção de doenças, uso de produtos que não agridem o meio ambiente e a proteção aos animais, está cada vez mais em alta.
É a onda Vegan invadindo o mundo! Com ela a preocupação em saber de onde vêm os alimentos e o abandono de produtos de origem animal são uma tendência.
No Brasil de acordo a pesquisa IBOPE Inteligência realizada em abril de 2018, o número de brasileiros vegetarianos cresceu 75% em relação a 2012, quando o estudo havia sido realizado pela última vez. Esse número representa hoje 14% da população do país ou 30 milhões de brasileiros. A pesquisa foi realizada com entrevistados com mais de 16 anos. Infelizmente até agora faltam dados de incidência do vegetarianismo entre as crianças.
Mas voltando a pergunta que deu origem a esse artigo. Será que é possível que as crianças sigam uma dieta vegetariana e ainda assim tenham uma dieta nutritiva, sem carências nutricionais?
A resposta é SIM! Mas para isso é preciso consultar um Nutricionista para que o profissional possa adequar a quantidade de alimentos substitutos e realizar mudanças efetivas com segurança e saúde.
Para você ter uma ideia, importantes instituições científicas na área de Nutrição ressaltam a segurança da alimentação vegetariana na infância. Dentre elas destaco a Academy of Nutrition and Dietetics (2016) e a American Dietetic Association em conjunto com a Dietitians of Canada (2003).
Elas reconhecem a alimentação vegetariana como adequada em todas as fases da vida incluindo a infância, contanto que todos os cuidados alimentares e adequações nutricionais sejam realizados, como deve ser preconizado para qualquer tipo de dieta.
Mas afinal, o que é uma dieta vegetariana? Do ponto de vista nutricional, ser vegetariano significa não se alimentar de nenhum tipo de carne (vaca, frango, peixe, carneiro, avestruz, escargot, “frutos” do mar, entre outros) nem de produtos feitos com carne (presunto, salsicha, hambúrguer, salame, atum enlatado etc.).
Se a pessoa ocasionalmente come carne, ela é considerada semivegetariana.
A inclusão ou não de outros produtos de origem animal, classifica os tipos de dieta vegetariana. Assim, temos:
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VEGETARIANO ESTRITO - não consome nenhum tipo de carne, ovos, mel, laticínios e produtos que incluam derivados animais entre os ingredientes, como gelatina, albumina, proteínas do leite, alguns corantes e espessantes.
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LACTOVEGETARIANO - não consome nenhum tipo de carne nem ovos, mas utiliza laticínios (leite e derivados como queijos, iogurtes, etc).
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OVOVEGETARIANO - não consome nenhum tipo de carne nem laticínios, mas utiliza ovos.
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OVOLACTOVEGETARIANO - não consome nenhum tipo de carne, mas utiliza ovos e laticínios.
Além das formas acima, uma tendência é o Veganismo, mesmo na infância. A restrição dos veganos não inclui apenas a alimentação. Via de regra eles não utilizam qualquer produto fruto de formas de exploração ou crueldade animal. Ou seja, não utilizam NENHUM PRODUTO de origem animal, o que inclui produtos de higiene, cosméticos, vestuário, medicamentos, dentre outros. É a forma mais restritiva e é baseada em um estilo de vida que transpõe a alimentação.
Outra dúvida que recebo frequentemente no consultório é sobre o que as crianças vegetarianas devem comer. A resposta é bem simples; nós temos vários grupos alimentares que podem ser explorados na dieta vegetariana: cereais, leguminosas, grãos e castanhas, sementes, verduras, legumes e frutas. Mas é preciso combinar de forma adequada esses alimentos para haver equilíbrio nutricional no prato dos pequenos.
Importante ressaltar que a criança pode receber alimentação vegetariana desde a introdução alimentar.
O princípio básico é o mesmo, tanto para crianças vegetarianas ou não: nos primeiros seis meses de vida a criança deve receber apenas leite materno, e até os dois anos deve continuar a recebê-lo além dos outros alimentos.
Basicamente no cardápio vegetariano substituímos a proteína animal por fontes vegetais. As principais fontes são as leguminosas, como feijões, ervilha, lentilha, grão de bico e soja, além de castanhas e grãos integrais.
Para compor o prato das crianças com todos os aminoácidos que o organismo necessita é preciso ainda combinar uma fonte de cereal com as leguminosas descritas acima. Já ouviu falar que arroz com feijão é sinônimo de um prato completo. E é isso mesmo!
Outra dica importante é sempre adicionar uma fonte de vitamina C após as refeições. Isso porque as proteínas vegetais são fontes de uma forma de ferro chamada não-heme que o nosso organismo não absorve tão bem. A vitamina C aumenta a absorção desse mineral.
Incentive seu filho a comer uma laranja, por exemplo, de sobremesa.
Já o cálcio e os fitatos presentes naturalmente nas proteínas vegetais, dificultam ainda mais a absorção. Portanto laticínios devem ser consumidos sempre longe das grandes refeições.
Nada de acompanhar a refeição com um copo de leite ou oferecer minutos após a refeição para “complementar” o prato.
Além disso, os grãos das leguminosas devem ser deixados de demolho para reduzir a presença dos fitatos. Lembra da técnica que as nossas avós faziam? Ante de dormir, deixavam o feijão de demolho para cozinhar só no dia seguinte. Hoje temos uma explicação científica para essa atitude intuitiva das gerações passadas.
Além da proteína, outros nutrientes devem ter atenção especial dos pais de crianças vegetarianas, dentre eles vitamina B12, cálcio, ferro, zinco, vitamina D e ômega-3. A suplementação deve ser avaliada individualmente e se necessário.
Abaixo, apresento alguns alimentos que não podem faltar nos pratos vegetarianos e devem ter o consumo estimulado desde a primeira infância:
1 – Chia e linhaça: São sementes ricas em Ômega-3 e muito versáteis. Podem ser consumidas com frutas, batidas em shakes, cozidas com arroz ou mesmo polvilhadas por cima da salada.
2 – Quinoa: Excelente fonte de aminoácidos essenciais. Encontramos no mercado na forma de flocos, que podem ser consumidas com frutas ou batida em shakes e sucos, na forma de grãos que podemos cozinhar e substituir o arroz e na forma de farinha que podemos usar complementando receitas de bolos e tortas.
3 – Grão de bico: Fonte de proteínas vegetais e fibras, muito versátil para variar o consumo do feijão. Pode ser consumido na salada ou mesmo em pastas como o hommus“. Faça sanduíches divertidos! As crianças vão amar!
4 – Gergelim: Ótima fonte de cálcio e ferro. Pode ser consumido na forma de pasta, conhecida como tahine, através dos grãos torrados ou polvilhado em frutas, saladas, massas e outras preparações. Outro ponto positivo é seu grande teor de cálcio.
5 – Feijão: Fonte de ferro e proteínas vegetais pode ser consumido compondo saladas ou a tradicional combinação com arroz. Todas as suas variações e tipos são importantes fontes de proteínas vegetais para as crianças, seja o carioca, preto, branco ou azuki. Vale variar sempre!
6 – Oleaginosas: Compreendem as castanhas, nozes, avelã, amendoim, amêndoas, etc. Excelentes fontes de proteínas vegetais e gorduras saudáveis. Algumas unidades são suficientes, pois embora sejam muito nutritivas, são muito calóricas.
7 – Vegetais verdes escuros: São importantes fontes de ferro e cálcio. Aqui a lista é grande: brócolis, escarola, couve, rúcula, espinafre, agrião, mostarda, etc. O consumo deve ser diário nas saladas ou mesmo batido em sucos. Conte a estória do Marinheiro Popeye e torne a refeição mais interessante.
Como você viu, a mudança dietética na alimentação das crianças deve ser planejada e orientada pelo Nutricionista tendo como base o estilo de vida, a rotina e as necessidades nutricionais de cada organismo.
Se a criança vegetariana tiver acompanhamento adequado, a exclusão de alimentos de origem animal não tem contraindicação. Isso vale também para outros grupos que requerem uma atenção maior como as gestantes e os idosos.
Para orientações e cardápios personalizados, consulte sempre um Nutricionista. Lembre-se que cada organismo possui necessidades específicas e o que é bom para mim ou meus filhos, pode não ser para você ou seus filhos.
Abaixo, apresento uma receita de hambúrguer de lentilha muito saboroso e que pode incrementar a refeição dos pequenos!
Ingredientes:
- 1 xícara de lentilha (deixadas de demolho por pelo menos 4 horas)
- 4 xícaras de água
- 2 folhas de louro
- 1 cebola
- 2 dentes de alho
- Sal, pimenta e salsinha a gosto
- 1 xícara e meia de farinha de aveia
Modo de preparo:
- Junte os grãos de lentilha, a água e as folhas de louro e ferva por 15 minutos ou até que fiquem macias.
- Após o cozimento, escorra a água, retire as folhas de louro e amasse. Se ficar alguns pedacinhos do grão, tudo bem.
- Refogue o alho e a cebola em um pouco de azeite.
- Pique a salsinha.
- Acrescente o refogado de cebola, a salsinha picada e tempere com sal e pimenta a gosto. Se a criança tiver menos de 1 ano, não utilize sal e pimenta.
- Misture bem.
- Acrescente aos poucos a farinha de aveia, mexendo bem até conseguir uma massa homogênea e que consiga moldar. Se for necessário, acrescente um pouco mais de aveia.
- Pegue uma assadeira e unte com um pouco de azeite. Com a ajuda de uma colher, molde a massa em pequenos formatos como se fosse um hambúrguer.
- Asse por 20 minutos ou até ficar dourado.
- Agora é só saborear!
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Link para a Pesquisa IBOPE Inteligência:
https://www.svb.org.br/images/Documentos/JOB_0416_VEGETARIANISMO.pdf
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ACADEMY OF NUTRITION AND DIETETICS. Vegetarian Diets. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, v.116, n.12, p.1970-1980, 2016.
AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION; DIETITIANS OF CANADA. Position of the American Dietetic Association and Dietitians of Canada: Vegetarian diets. J Am Diet Assoc, v.103, n.6, p.748-765, 2003.